Camilo Aggio, Doutor em
Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Ufba
Gostaria que o senhor analisasse
o uso das redes sociais pelo marketing político até aqui, e qual papel o senhor
acredita que essas fermentas terão nesse novo contexto?
Fazer uma análise do uso de redes
sociais em campanhas até aqui significa divagar por muitos aspectos que o tempo
da entrevista não me permitiria fazer. Mas o fato é que nós não temos um
percurso linear a respeito de uma determinada tendência. Há diferenças muito
grandes entre como as campanhas se apropriam no nível regional, local e
nacional. Isso tem a ver com o aporte financeiro que essas campanhas têm a
disposição. Mas a verdade é que se há um
elemento que se deva levar em consideração, e que ai sim existe uma
continuidade, é justamente o fato de que 1º) A comunicação digital
(principalmente a comunicação em redes digitais) tem si tornado cada vez mais
importante no que diz respeito as discussões públicas que se dão efetivamente
na esfera pública brasileira; 2º) Assim como em determinado momento da
comunicação de massa (veículos tradicionais como televisão, rádio etc) teve um
crescente muito grande na profissionalização daqueles agentes que trabalhavam
para a formulação da imagem de determinado sujeito, adequação de discurso de
campanhas gramáticas e linguagens televisivas, radiofônicas e etc. O mesmo a
gente tem visto com a comunicação digital, com o uso da internet e de sites de rede
social. Então, há um crescimento muito grande na profissionalização desses
profissionais que trabalham com mineração de dados e monitoramento.
Profissionais que trabalham com inteligência específica a respeito de como os
ambientes digitais funcionam e podem ser empregados de uma maneira eficaz pelas campanhas. Não existe a
possibilidade hoje de uma campanha (seja ela no nível local, regional ou
nacional) se não for levado em consideração a necessidade de marcar presença em
ambientes digitais, que são cada vez mais diversos e plurais, ainda que exista
determinada predominância de, digamos assim, relevância pública de determinadas plataformas, a exemplo do
Facebook, Twitter, Websites de campanhas etc. Não há possibilidade de hoje,
assim como desde a década de 1950, por exemplo, de que candidatos a presidente
não estivessem na televisão. Hoje, não existe a possibilidade de um candidato
que realmente queira pleitear alguma possibilidade de se eleger não está na
comunicação digital, não está nos sites de redes sociais. Eu acho que nesse
momento não significa apenas ter presença. Significa o modo como você consegue
estabelecer a sua presença. Quais estratégias você emprega, como você
administra e gerencia a sua imagem. Qual o tipo de discurso, material, conteúdo,
e para qual tipo de público você dirige determinado tipo de conteúdo? Qual o
nível de, por exemplo, interatividade, participação e diálogo? Qual a
possibilidade de diálogo você consegue ter com os cidadãos, com os eleitores?
Qual a possibilidade de mobilizar determinados líderes de opinião?
O uso dessas ferramentas torna
possível monitorar visualizações e comportamentos. Como essas informações são
usadas para tornar o eleitor um militante daquela legenda, daquele candidato,
daquele determinado discurso?
Nesse ponto eu acredito que não
exista um novo desafio. Acho que o desafio de tornar alguém engajado em uma
campanha é o mesmo desafio que atravessa séculos do jogo político partidário.
Técnicas novas podem ser empregadas para atingir esse público, mas o
convencimento em si, provocar um sentimento de pertencimento a um determinado
projeto político representado por determinada campanha, determinada legenda ou
coligação, vem de uma série de razões. Inclusive contextuais. Em um determinado
momento, um sujeito decide se engajar em uma campanha porque ele tem um
compromisso ideológico com determinado valor. Por outro lado, ele também pode
se engajar em uma determinada campanha porque no momento em que você tem duas
opções, como no segundo turno, uma te parece mais interessante que a outra. Ou
pelo menos, te contemple muito mais em determinadas questões. No que diz
respeito a peculiaridades técnicas específicas da comunicação digital, você tem
canais diferentes para atingir esse público.
Então, a política de imagem continua sendo fundamental, como você
estabelece uma aproximação do conteúdo produzido, aquilo que foi estabelecido
como gramática e lógica na produção digital. A produção de memes, por exemplo,
ou a produção de posts que estão veiculados a produção de determinado produto
audiovisual, imagético e sonoro. Na comunicação digital, o que a gente tem que
pensar fundamentalmente, diferentemente da comunicação nas campanhas
tradicionais, digamos assim, é que nós temos sujeitos ligados em muitas e
diferenciadas redes que se compõem. Algumas delas são permanentes, porque são
fundamentalmente estabelecidas através de laços muito fortes, como a gente vê
na sociologia, com muito capital social agregado (como a relação que você tem
com seus amigos, familiares, determinado líder de opinião). Há determinadas
redes que são formadas em razão de determinados tópicos de discussão na agenda
pública. Determinada debate a cerca do aborto, por exemplo. Determinadas redes
se compõem ali em torno do compartilhamento de determinadas informações, alguns
seguidores que podem concordar em certos aspectos e divergir em outros. É nesse
momento na verdade que tanto o monitoramento, quanto a mineração de dados, pode
fazer com que você tenha aquilo que está se falando em campanha online: A
possibilidade de você empregar técnicas de micro segmentação. E aí desculpe, eu
posso está vendendo o peixe sem receber nada, mas o fato é que a última
campanha de Barack Obama, diferente da primeira que se tornou um ícone, foi a
grande novidade em termos de renovação tecnológica e micro segmentação de
determinados públicos. Então, você produz determinado conteúdo e direciona
certo endereçamento para grupos sociais muito abrangentes, baseados, por
exemplo, em classificação etária, escolaridade e renda. Dentro da realidade
dessas categorias, eu consigo verificar que existe um grupo abrangente e social
enorme em torno de determinada faixa de renda. Ainda mais, que você tem
microgrupos ali que compartilham determinadas agendas que determinado conteúdo
serve muito mais para você atingir os seus objetivos do que outro. Assim, ao
invés de construir um panfleto que contemple todas as suas propostas em relação
a saúde, educação ou habitação, você sabe que uma pessoa, por exemplo,
diferente de outra tem muito mais interesse na questão da educação que em
questões ambientais. Para que diabos eu vou gastar meu tempo, conteúdo e
esforços para produzir um determinado conteúdo e endereçar para esse indivíduo
que não tem interesse exatamente em
habitação, mas em saúde? A campanha do Obama conseguiu fazer isso, inclusive em
uma relação intermídia muito interessante.
Uma certa evolução tecnológica que já funciona em certas regiões
norte-americanas, e que no Brasil ainda não chegou, proporciona ter acesso as
informações de segmentos do eleitorado muito específicos baseado nas compras
feitas pelo cartão de crédito, no tipo de fiação partidária, nos conteúdos
curtidos e publicados no perfil pessoal do Facebook. Nas eleições americanas
inclusive, a campanha de Obama venceu por causa da micro segmentação porque foi
absolutamente apertado. Só para você ter uma ideia, eu sei que duas mulheres
são vizinhas de porta, visitam sites de redes sociais como qualquer avenida ou
área pública para discutir, conversar com amigos, para, enfim, expressar
opiniões da mesma categoria social ao que diz respeito a faixa de renda e
escolaridade. Elas também têm em comum o gosto por dieta de entretenimento. As
duas assistem a “The Big Bang Theory”, que passa na terça-feira, às 20h, no
Prime Time, vamos dizer. Eu tenho relações muito relevantes sobre essas duas
pessoas no que diz respeito ao Swing State, que são aqueles estados
indefinidos, nem republicano, nem democrata. São esses estados que decidem uma
eleição. O que a campanha de Obama conseguiu fazer? Eles têm as informações de
que uma dessas mulheres tem uma veiculação muito maior ao que diz respeito ao
interesse na saúde, porque ela tem uma saúde mais fragilizada. Então, um
determinado projeto de saúde de pode ser muito mais atrativo. Naquele momento,
no mesmo horário, pessoas que assistiam ao mesmo programa, receberiam
propagandas diferentes no horário comercial. Bom, claro que nós estamos aqui
falando do High Technology, mas o que se pode notar? As possibilidades que
essas campanhas todas tem de fazer uma comunicação direta com esses sujeitos é
muito mais microssegmentada, e potencialmente muito mais eficiente. Coisa que
você não pode fazer quando está lidando com um meio de comunicação massivo. Ele
atinge uma quantidade muito abrangente de pessoas que não permite a
possibilidade de provocar determinados discernimentos, uma quantidade maior
pluralidade de conteúdos muito específicos direcionados a certos segmentos.
E como isso interfere nas ações
políticas mais "corpo a corpo"?
Acaba por ser um "corpo a
corpo" só que muito mais sofisticado em termos informacionais. Porque uma
coisa é um "corpo a corpo" que, por exemplo, políticos fazem por
tradição de sair às ruas, apertar a mão de um, abraçar outro, dizer que houve a
reivindicação daquele sujeito. No final das contas, a grande verdade é que
grande parte do que se chama de "corpo a corpo" hoje se estabelece
muito mais como uma possibilidade de você criar boas imagens para inserir nas
propagandas televisivas. Principalmente no que diz respeito à criação de uma
determinada aura de que o povo está acolhendo todos eles. A julgar pelas
propagandas do horário gratuito eleitoral, todos os candidatos são amados pelo
povo, e nós sabemos que acontece justamente o inverso. Então, não há
genuinamente um esforço de no "corpo a corpo" convencer o sujeito a
votar nele. Eu acho que é mais sobre a criação de determinado evento político
que tem sua relevância, ritualística inclusive. Mas a verdade é que não existe,
pelo menos não naquele momento, a possibilidade daquele evento servir para
aquele outro se aproxime do sujeito, e contemple suas reivindicações a partir
da oferta de determinadas preposições. Isso é muito diferente na comunicação
digital porque ela pode ser síncrona, mas ela é essencialmente assíncrona no
que diz respeito ao momento no qual você emprega determinadas estratégias de
comunicação. Ela pode ser tanto veiculada ao marketing como aplicada ao
mercado. Então, esses grupos podem ser identificados, e tomar conhecimento a
respeito de um determinado conteúdo que os atinge diretamente nas suas
preocupações prioritárias. Essa é a grande diferença da comunicação digital. E
quando você pensa que a comunicação digital se dá basicamente a partir de uma
estrutura de rede, isso significa que aquele sujeito que defende uma
determinada agenda, certamente tem em torno da sua rede, pessoas que pensam
mais ou menos parecido. Essas pessoas podem, inclusive, serem influenciadas por
ele no momento no qual é convencido e influenciado por uma campanha. Isso vai
provocar uma reação em cadeia de como esses conteúdos começam a trafegar dessas
redes, tanto as estáveis (que são estabelecidas através de laços fortes) como
aquelas que são voláteis (estabelecidas a partir de laços fracos).
Os sites de redes sociais podem
ser um instrumento para apresentar propostas, biografia e atacar adversários,
desconstruir propostas e até reputações. Qual dessas estratégias são mais
comuns, e qual seria na sua opinião a melhor maneira de usar esse instrumento? Existem
especificidades para municípios maiores ou menores?
A minha impressão, com certa base
de sustentação empírica, é que não há uma diferença baseada no critério de
escala. Você sabe de uma forma bem geral que campanhas negativas tendem a ser
um empreendimento muito ariscado. O sujeito que ataca demais vê que aquele
efeito que ele imagina exercer sob a opinião do eleitorado acaba se invertendo
e atingindo ele próprio. Mais ou menos assim que se estabelece a literatura
toda que trata de campanhas negativas. Há a necessidade de fazer determinadas
distinções para que você não crie uma certa romantizarão a respeito desse
expediente. Depende de como a campanha negativa é construída. Ao que diz
respeito ao seu teor critico ela é fundamental, pois você não pode esperar de
uma campanha que ela faça uma autocrítica. Então, suas deficiências, problemas
em uma determinada biografia de um determinado candidato são apontadas ou pelo
jornalismo ou pelos adversários. Claro que aqui há determinados parâmetros
éticos que devem ser estabelecidos. Na verdade, as campanhas negativas acabam
muito mais servindo para você destruir determinadas reputações. Mas
basicamente, é importante fazer uma distinção sobre achar que campanha negativa
é uma coisa que deve ser extinta, e que a política deveria sobreviver sem seu
caráter fundamental de disputa, dessa possibilidade de você poder apontar as
fragilidades na campanha do adversário. Bom, mas no que diz respeito a
campanhas negativas com alto teor de detração, o que se verifica, pelo menos no
meu estudo, na minha tese de doutorado, quando eu analisei portanto alguns
tantos Tweets feitos durante a campanha dos três principais candidatos da
república em 2010, Dilma Rousseff, José
Serra e Marina Silva utilizaram parcamente o expediente da campanha negativa.
Eles eram profundamente autorreferentes, utilizando o Twitter para se comunicar
diretamente com outros eleitores, jornalista, apoiadores, coligados. Por outro
lado, a grande maioria das mensagens classificadas como campanha negativa foram
as que mais atraíram retweetes dos eleitores, portanto seguidores deles. Então
me parece que as pessoas tendem a endossar muito mais, talvez, uma determinada
mensagem que demonstre as diferenças, ou a fragilidade do adversário que
exatamente alguma outra categoria de mensagem como projetos, agenda ou
mensagens voltadas para engajamento e mobilização. As campanhas tomam muito
cuidado em relação ao expediente da campanha negativa porque ele é muito
ariscado. Tome por exemplo a disputa no primeiro turno, ainda de 2010, entre
Dilma Rousseff e José Serra. O teor da campanha negativa ali foi muito grande.
Inclusive, ambos entraram na disputa para ver quem era mais conservador.
Inclusive na discussão em torno do aborto, do ateísmo (ou não) de Dilma e
Serra. Na verdade, houve uma disputa ali pela medição de quem ali era mais
devoto, mais religioso. Isso explica de alguma maneira uma certa saturação
nessa disputa que fez com que Marina Silva ganhasse muitos votos. Se não me engano, Marina Silva ainda sustenta
o recorde de terceira colocada com o maior número de votos até hoje desde a
redemocratização. Então, o expediente da campanha negativa deve ser levado em
consideração do ponto de vista estratégico que sempre predominou as estratégias
de campanha. É muito arriscado, mas em determinado momento é fundamental. Claro
que o desejo normativo da coisa é que isso funcionasse sob determinados
parâmetros éticos no sentido de que a campanha ao invés de detratar por
detratar o seu adversário, colocasse determinados argumentos e demonstrações a
respeito daquilo que ele está argumentando, e porque exatamente aquilo é
diferente da sua proposta, da sua posição. Acho que nas campanhas online é mais
ou menos assim que está acontecendo. Pelo que eu conheço de algumas pesquisas
empíricas isso é uma tendência quase que geral. Uma outra coisa que eu achei
que você fosse perguntar com relação aos websites. Eles continuam sendo
fundamentais como depositário de informações que têm sido utilizados como
material complementar, ou suplementar, a comunicação desenvolvida em sites de
redes sociais. É fundamental que se estabeleça não somente os sites de redes
sociais, mas que os candidatos, as campanhas, de uma forma geral, pensem na
verdade no quão fundamental e útil é a manutenção de um website institucional
que funcione como um repositório de informações.
Por último eu gostaria de
perguntar sobre as questões que envolvem restrições legais que acabaram sendo
criadas, como a exemplo da chamada pré-campanha. Quais as principal dificuldade
do profissional de comunicação neste momento de inovações legislativas e das
incertezas que essas mudanças trazem?
Por isso que quase todas as
campanhas tem uma assessoria jurídica. Tem hora, e quem já trabalhou em
campanha sabe disso, que uma determinada infração é feita involuntariamente, e
só é detectada posteriormente. Mas no que diz respeito à pré-campanha,
especificamente, o cuidado que se deve ter é com a retórica. A legislação,
inclusive, determina aquilo que é campanha antecipada basicamente a partir de
determinadas expressões que são utilizadas, e uma daquelas diz respeito a pedir
votos. Você não pode pedir votos, não pode declarar em determinado momento que
é candidato. Eu digo isso porque desde 2010, quando todo e qualquer recurso
para além do websites foi liberado pela legislação, que todos os candidatos
fizeram pré-campanha, falando de política como fazem em qualquer período que
não seja o eleitoral. Isso funciona como pré-campanha no final das contas.
Portanto, significa usar esses sites de redes sociais, essas plataformas todas
para tomar uma determinada posição na esfera pública, dialogar com os
eleitores, para esclarecer seu posicionamento a respeito de determinadas
questões e agendas nas pautas públicas. Então eu imagino que o maior desafio no
que diz respeito a essas inseguranças jurídicas seja justamente que, pelo menos
ao que diz respeito à pré-campanha, você trate um pré-candidato, ou um
candidato já estabelecido formalmente, como um líder político. Um indivíduo com
certa relevância pública ao que diz respeito à discussão pública.
Fonte: Bahia Notícias